domingo, 14 de junho de 2009

Belém perdeu. Nós podemos ganhar.


Belém perdeu a disputa pela Copa de 2014. Mas não foi só Manaus que venceu. Ganhou a corrupção e a incompetência administrativa. Ganharam os conchavos e a política do “primeiro eu”. E a do “primeiro os meus”. Venceu o trânsito caótico e a desorganização quase cultural em todos os setores. Venceu o “ah... deixa pra amanhã”, a falta de orientação para o trabalho e a satisfação com pouco. Ganhou a mediocridade e a falta de perspectiva, que faz todos os anos centenas de jovens universitários e recém formados irem embora de Belém, disponibilizando seus cérebros para desenvolver outros estados, outros países. Ganhou a saúde desumana e a educação ineficiente. Ganharam os carros com som alto e a música ruim, travestida de manifestação popular, quando é apenas falta de acesso ou referência. Venceu a grosseria dos atendentes. A falta de “por favor” e “obrigado”. Venceram os carros parados no meio da rua, para que seus motoristas possam falar com seus amigos na calçada, esquecendo o direito dos que aguardam atrás deles.
Belém perdeu. E em primeiro lugar ficou a violência, antiga conhecida dos bairros pobres e agora já na porta, entrando nas salas em “L” dos apartamentos ricos. Ganharam as ruas esburacadas, que enchem para delírio dos ratos. Venceu a falta de creches, o abandono da infância, a prostituição infantil. Venceu o trabalho escravo doméstico, sob a roupagem de adoção de meninas do interior. Ganhou a enorme diferença social, menor apenas que o tamanho das valas a céu aberto das favelas horizontais da cidade. Ganharam os políticos caricatos e espertalhões, vindos da velha política oligárquica que só ressoa ainda nos mais afastados rincões do Brasil e seus ramais.
É, Belém perdeu. Mas tem perdido há muito tempo a vergonha e ganhou apenas a naturalidade cínica da indiferença. Venceu o conformismo, o jeitinho “tudo bem”. Venceu a burguesia ignorante e suas crenças no "direito divino" de mandar e ser servida. Mas também venceram os aproveitadores disfarçados de povo, que usam a massa para obter os privilégios que nunca tiveram. Belém perdeu. E, sobretudo, ganhou a crença de que Belém é “do cacete”, que é uma ótima cidade para morar, com povo acolhedor e amigo, o “Portal da Amazônia”. Não é. É uma cidade violenta, cara, suja, desorganizada, com alto nível de falta de educação, com poucas e mal remuneradas oportunidades de emprego e onde quem não tem um plano de saúde está perdido. Uma cidade que vive muito mais de passado que de história, ébria ainda por áureos tempos da borracha que deram às elites daqui uma patética certeza de nobreza, quando, na verdade, não passa de uma oligarquia ostentadora e interiorana.
Belém perdeu. E o que vai acontecer, com toda certeza, é ficarmos mais uma vez cheios do orgulho que tiramos não sei de onde e dizer aos 4 ventos que foi por causa de uma politicagem de “não sei quem”. A típica atitude de perdedor. A forma fácil que temos de enfrentar os problemas. Belém perdeu. Porém, podemos ganhar muito com essa experiência, olhando, pela primeira vez, além do pato no tucupi, do açaí e do tacacá. Temos que perceber agora, não depois, a rota descendente em que se encontra a capital e o estado como um todo. A cidade do abandono, o estado da violência rural e do desmatamento. Temos que votar melhor, pensar mais no coletivo e não no individual. Ler mais, educar mais, trabalhar mais, reclamar mais.
Chega dessa postura de rechaçar críticas por pura vaidade em nome de uma história longínqua. E cada vez mais distante, pois a história é escrita pelos vencedores.
Vamos mudar Belém e o Pará começando por nossas atitudes, entendendo o direito do outro como tão importante quanto o nosso, valorizando a educação e o saber como principal patrimônio e legado. Chega de ser uma ilha, quando cada cidade hoje é global. A raiz de tudo isso, de todos os problemas, somos nós. Nós é que precisamos mudar como povo. Em 2014 não vamos sediar a Copa. Mas, com certeza, como principal cidade de uma das regiões mais importantes do Planeta, poderemos começar a ganhar o mundo.


Texto do publicitário Edgar Cardoso